Mulheres que inspiram: a jornada de Helena Coelho com a bike.

Mulheres que inspiram: a jornada de Helena Coelho com a bike.

Por Helena Coelho


Minha história com  a bicicleta começa na minha primeira negociação da vida: meu pai queria tirar uma foto minha e eu queria uma bicicleta. Então, minha mãe sugeriu trocar a foto pela bicicleta e, assim, começou tudo por aqui. Sou capixaba e vivi até os 25 anos em Vitória/ES,na minha infância e adolescência a infraestrutura cicloviária não facilitava meus deslocamentos e todos eram de carro ou de ônibus. Não “sabia” da possibilidade de me deslocar de bicicleta, ninguém tinha me incentivado a isso. A bicicleta ficou pra trás, outros esportes tomaram conta da infância e adolescência: ginástica olímpica, futebol, vôlei e handebol. 


Em 2015 passei no mestrado na UFMG e me mudei para Belo Horizonte, sem carteira e sem carro, gastava muito tempo andando de ônibus em um trajeto de 5km. Tinha uma bicicleta parada em casa. Quando vi uma amiga indo de bicicleta pra UFMG, logo pensei “eu também posso”. Pedi ao meu padrasto para me ensinar o caminho, na época nem conhecia strava! E assim começou essa jornada. Pequenos deslocamentos começaram a virar passeios maiores e maiores. Aprendi que poderia ganhar o mundo com as minhas próprias pernas e conhecer rotas e lugares diferentes.


Me desafiar no trânsito, conhecer rotas novas, explorar lugares era um misto de paixão pelo novo, pelo desconhecido. Mas havia um limite pra mim: o medo da noite e preciso falar disso. Pedalar de noite me gerava muita ansiedade, me sentia muito insegura. Tive um namorado uma vez que me disse que as “ex dele” todas pedalavam a noite e que eu deveria fazer o mesmo, quando expunha meus medos e pedia para não me deixar sozinha. A crueldade dessa e de outras comparações deixou marcas muito profundas. Mas o relacionamento não durou muito tempo.


Esse medo da noite me fez comprar uma bicicleta dobrável, porque assim eu poderia sair pedalando e voltar de uber ou de metrô (de 21h até às 23h). Mas um dia eu perdi a hora do metrô, estava com uma bicicleta “normal”, perto de casa e decidi voltar pedalando, pelo transtorno que era chamar um uber, pedir pra levar bicicleta, etc. Tomei coragem e saí com um amigo até parte do trecho, terminando os últimos kms sozinha. Foi um caminho sem volta.


Passei a amar a noite, me sentir super segura numa bicicleta. Amar a temperatura, o trânsito, as luzes da cidade. É uma sensação inexplicável. Aos poucos o “bichinho” do esporte e da longa distância me pegou. Mas e agora, como seria a noite e a autossuficiência longe da infraestrutura das cidades? Tudo novo e uma nova descoberta.


Em 2022 iniciei pedais noturnos começando com testes do corpo, dos equipamentos, etc. Mas apenas em 2023 mergulhei profundamente nisso tudo, descobrindo meus limites: o sono. No meu aniversário de 2023 me dei de presente fazer um BRM misto de 300km com 5.000m em que meu objetivo era completar, ainda que fora do tempo. Nunca tinha feito algo de tamanha magnitude e completei, fiquei muito feliz. O Luis topou ir comigo, assim eu não ficaria sozinha de noite e teria alguém muito experiente do lado.


O próximo desafio foi arriscar 400 km misto, dessa vez a meta era completar no tempo, mais uma vez na companhia do Luis. Dormi mal nos dias anteriores, tive sono na prova, perdi o câmbio. Tivemos que parar para pequenas sonecas em lugares inusitados rsrs: parada de trem, bar fechado e, por último: pernoitamos no chão do bar do mineiro. Desbloqueando novas habilidades, mas sem conseguir completar o percurso, porque chegaríamos tarde demais e eu estava sem câmbio dianteiro. 


Peguei toda essa bagagem de aprendizado e guardei pra mim. No mesmo ano enfrentaria o que seria o maior desafio da minha vida: o Across Andes, uma prova de 1.000km com 14.000m para completar em 130h no Chile. Fui para a prova leve, animada pela experiência de conhecer lugares e pessoas novas, mas mais uma vez o objetivo era não virar a noite pedalando, não sabia como meu corpo e cabeça se comportariam. Completei a prova, venci muitas barreiras do corpo e da mente. 

 

O ano de 2024 começa muito parecido com 2023, parecido, mas diferente. Com muito mais organização e experiência, reinicio a mesma jornada: os BRMs mistos 300 e 400 km, dessa vez em carreira solo. Os 300 km aconteceram, mais uma vez, no meu aniversário e foram duríssimos, vivi exatamente o que mais temia: passar na Carvalho Pinto sozinha de noite. Foquei no presente, não pensei em mais nada e segui com toda força que conseguia e o vento a favor ajudando. Eu sabia que tinha gente atrás, isso é uma coisa que gosto de contar e sair cedo me ajuda nessa estratégia. Terminei, sozinha, no último minuto. Meus amigos estavam lá me esperando, pra comemorar e me abraçar, o melhor presente possível.


Nos 400 km sabia que teria que virar a chave da noite de uma vez. Isso me deixou bastante ansiosa nos dias anteriores. E se eu tivesse sono? E se me perseguirem na estrada? E se…? Trabalhei a ansiedade, os pensamentos. Ajustei a estratégia de sono, de alimentação, de cafeína e foquei num sonho: ver o dia amanhecer pedalando.


Terminei com energia, com 1h de tempo sobrando e o mais importante: com um sorriso largo no rosto! Confiem nos seus processos e nunca deixem alguém dizer os seus limites. O limite é uma barreira criada pela mente. Somos muito mais fortes do que pensamos ser. 


Que venham os próximos desafios!