Leo, uma bicicleta e três américas

Leo, uma bicicleta e três américas

Sentamos em uma vídeochamada com Leo para saber tudo sobre seu recorde de 95 dias, 16 horas e 57 minutos na Travessia das Três Américas, superando o recorde anterior e 52 horas.

P: Como você teve a ideia de pedalar pelas Três Américas? Qual foi a motivação por trás desse projeto?

R: Sempre fui apaixonado por desafios. Desafios pessoais. E essa ideia de cruzar as Américas começou como uma tentativa de mostrar às pessoas que podemos fazer grandes coisas, desde que tenhamos foco, fé, disciplina, determinação e nos cerquemos de pessoas boas, que olhem e torçam por você e por seus objetivos, e foi assim que a ideia surgiu.

 

P: E desde quando você está trabalhando nessa tentativa?

R: Comecei a planejar a Travessia das Três Américas em 2021. Olhei para o globo, vi alguns desafios e descobri essa rota do Alasca (EUA) à Terra do Fogo (Argentina).

Em junho de 2022, tentei quebrar o recorde, mas não consegui chegar até Ushuaia. Fiz uma pausa na primeira tentativa, mas sempre tive em mente tentar novamente, porque desistir não faz parte do meu vocabulário (risos).

 

P: Leo, diga-nos quantos anos você tem agora e com que idade começou a fazer essas ultramaratonas?

R: Hoje estou com 32 anos, mas pareço mais ter 20 (risos).

Muitas pessoas dizem que comecei tarde. Acho que comecei quando tinha que começar. Comecei aos 27 anos e foi no momento em que Deus quis.

Estou no mundo do ciclismo há 5 anos e já conquistei muita coisa. Muita gente me conhece, empresas brasileiras, empresas multinacionais. A Sense & Swift me ajuda, tenho o reconhecimento de pessoas importantes no cenário do ciclismo e por isso já estou muito feliz.

 

A ROTA

P: Como foi planejada a rota que você seguiu? Qual foi o critério para escolher os lugares em que você iria parar?

R: Na primeira tentativa, cometi alguns erros ao escolher a rota. Na segunda tentativa, pensei: "Tenho certeza de que ainda vou cometer erros, mas não farei o mesmo".

Na primeira vez, sofri muito nas Cordilheiras com o frio, a altitude e o vento, então pensei: "Não posso controlar isso, então vou fazer uma rota mais longa e passar pelo melhor país do mundo, que é o Brasil" (risos).

No final, todos que disseram que eu estava fazendo besteira foram lá e disseram: "Que bom, deu tudo certo, parabéns". Respondendo à pergunta, essa foi a estratégia que usei, para tentar não cometer os mesmos erros do ano passado, porque sofri muito com o vento e a comida. Então, foi assim que escolhi as estratégias e deu tudo certo.

 

P: Você se orientou apenas pelo GPS ou teve algum outro método?

R: GPS. Mas não de forma rígida. Uma viagem de bicicleta como essa envolve muito mais coisas do que apenas pedalar. Envolve fronteiras de países, mudanças climáticas repentinas, chuvas de granizo, tempestades e essas são coisas sobre as quais você não tem controle. Não posso dizer, por exemplo, que vou parar para dormir em Santa Catarina porque um guarda pode pará-lo no caminho, verificar tudo na bicicleta e isso pode levar de duas a três horas. É por isso que eu não faço horários.

 

P: Qual foi o maior desafio que você enfrentou nessa última viagem?

R: O maior desafio foi tudo fora da bicicleta. O que mais me incomodou foram sempre as coisas sobre as quais você não tem controle, como guardas, controles de fronteira dos países, burocracias, alguns protocolos cansativos em alguns países subdesenvolvidos. O suborno e as pessoas que pedem "taxas" injustamente são coisas que me incomodam muito, e essas coisas afetam muito você. Quando saí de casa para enfrentar esse desafio, pedi a Deus que me desse sabedoria e prometi a mim mesmo evitar essas coisas ruins. Agora, com relação à bicicletacicleta, eu destacaria o Alasca como um desafio muito difícil. É um lugar muito frio e isolado, onde não há muito apoio. Todo o início da viagem é complicado, mas depois você se acostuma e isso se torna uma espécie de rotina.

 

P: Quantas horas por dia, em média, você passou andando de bicicleta?

R: Em cima do selim, pedalando, em torno de 11 horas e meia por dia, mas o tempo decorrido, desde o momento em que iniciei o GPS até o momento em que o desliguei, foi de cerca de 14 horas e meia. Bastante tempo.

 

PESSOAS, HISTÓRIAS E PAISAGENS

P: Você teve algum intercâmbio cultural ou momento especial que lhe seja muito querido?

R: Sim, sim. Já no Brasil, por ser um país tão grande, há algumas diferenças culturais. Você vai para o Sul e a cultura é uma coisa, vai para o Norte e é outra. Agora imagine atravessar 15 países, que foi o que eu fiz. Cada país é diferente, uma cultura diferente, leis diferentes, animais diferentes, natureza diferente, comida diferente. Tudo é diferente e é uma experiência muito enriquecedora para quem faz essa viagem, pois conseguimos absorver muita coisa. Culturalmente, destaco os países da América do Norte, que são muito diferentes da América Central e da América do Sul. Os Estados Unidos e o Canadá são como a Europa, são países em que você se sente seguro. Eu dormia em uma barraca, não precisava me preocupar, sabia que se deixasse uma "vela" do lado de fora, no dia seguinte ela ainda estaria lá. Mas quando você chega ao México e ao Brasil, a história é completamente diferente.

 

P: Você tem alguma história de amizade que tenha feito ao longo do caminho?

Alguém que talvez o tenha seguido ou alguém que conheceu em alguma de suas paradas e com quem manteve contato depois?

R: Sim, tive várias, mas eu destacaria uma forte interação com o grande Garate, um amigo mexicano que também viaja bastante de bicicleta. Nós nos encontramos pela primeira vez no Alasca, durante minha primeira tentativa de travessia. Depois, na segunda tentativa, nossos caminhos se cruzaram na Costa Rica. Ele é um grande amigo que fiz durante essa viagem e ainda trocamos mensagens até hoje.

 

P: Alguma história engraçada ou curiosa? Algo que o fez rir na época ou que, em retrospecto, o faz rir muito agora?

R: Há algumas histórias engraçadas (risos).

Eu dormia muito em uma barraca por motivos financeiros e por uma questão de autonomia. Dormir em um hotel nos EUA ou no Canadá é caro, possivelmente em torno de 200 dólares e, convertendo isso em reais, é cerca de cinco vezes mais.

Dito isso, uma lembrança que me faz rir muito hoje, mas que foi bastante frustrante no momento, é uma de minha passagem pela América do Norte. Como lá é muito frio, eu precisava fazer xixi e estava com muita preguiça de sair da barraca. Então decidi: "Vou levar uma garrafa para dentro, só por precaução, para não ter de sair da barraca". Na primeira vez que fiz isso, eu tinha uma garrafa de 300 ml, o que, se você já teve a bexiga cheia, sabe que não é suficiente. Então comecei a fazer, a garrafa encheu e, quando você está fazendo xixi, não há como parar no meio, então molhei a barraca. Contar a história agora e lembrar dela é engraçado, mas na época fiquei com raiva de mim mesmo porque molhei tudo, o cheiro na barraca não era agradável e tive de ficar dentro de casa o resto da noite por causa do frio. No dia seguinte, tomei precauções e peguei duas garrafas de 500 ml e, a partir daí, tudo ficou bem (risos).

 

P: Você tem lembranças das belas paisagens pelas quais passou? Qual foi o seu favorito?

R: Então, o Canadá é lindo, os EUA são lindos, mas o Brasil... O Brasil é diferente.

Quando entrei na Amazônia (floresta tropical) e senti aquele cheiro, a voz da natureza, aquele som... Uau. Isso me fortaleceu muito espiritualmente e fisicamente. Aquela floresta sempre me chamou a atenção, é uma floresta nativa e virgem. Já estive lá várias vezes, mas a sensação nunca passa. Toda vez que vou, fico encantado com aquela criação divina. Por isso, destaco a floresta amazônica. É quase um paradoxo, fazer tantos quilômetros para que seja seu cenário favorito, mas é realmente o lugar onde me senti mais feliz, energizado e muito "em contato" espiritualmente.

É claro que também posso destacar o Canadá, com suas belas estradas e árvores, e até mesmo o Alasca foi um espetáculo à parte.

 

O QUE LEVAR

P: Agora, em termos de alimentação, como você lidou com a nutrição durante essa viagem?

R: Nem sempre podemos comer o que queremos. Em um desafio como esse, você tem pouco espaço para carregar comida. Comi quase tudo o que encontrei que era comestível. As coisas que eu mais carregava eram biscoitos, frutas, hambúrgueres e comida de verdade, como arroz, feijão e macarrão. Então, quando vi no mapa um posto de gasolina no meio do nada, parei para reabastecer.

 

P: Você cozinhava ou sempre ia a algum lugar para comer?

R: Não, eu não podia cozinhar. O espaço é limitado na bicicleta e tive de priorizar outros equipamentos, como a barraca, os eletrônicos, as roupas e a comida pronta.

 

P: Então, o que você levou com você na bicicleta?

R: Material de acampamento, incluindo barraca, colchão e saco de dormir; ferramentas de bicicleta, como adesivos, bomba de CO2, câmaras de ar e chaves allen; dispositivos eletrônicos, como telefones celulares, carregadores, lanternas, faróis e o GPS da bicicleta; roupas de ciclismo e de clima frio e muita comida.

 

A BICICLETA

P: Você já percorreu milhares e milhares de quilômetros. Essa foi sua primeira grande viagem com a Univox?

R: A primeira grande viagem que fiz foi logo que recebi a bicicleta das mãos do Henrique (CEO da Swift Bicycles). Eu disse a ele que meus planos eram voltar para casa em Goiás com a bicicleta, que de Belo Horizonte é um percurso de 700 quilômetros. Naquele momento, percebi que estava em cima de uma Ferrari. Eu estava acostumado a andar em uma Enduravox, que é mais parecida com um Corolla (risos). Não que haja algo de errado com o Enduravox, mas tive a sensação de que estava bem servido para enfrentar os próximos desafios.

 

P: Quais foram as grandes diferenças que você sentiu na bicicleta?

R: Senti mais estabilidade, mais conforto, mas essas são coisas óbvias que você sente quando passa de uma bicicleta de alumínio para uma de carbono, mas é muito perceptível. Você não sente tanta ansiedade, ela responde melhor à sua pilotagem. Além disso, a leveza da bicicleta, a aerodinâmica também... Ela vai mais longe, responde melhor à força que você aplica nela.

 

P: Que tipo de pneu você usou?

R: Para o tipo de pilotagem que faço, o perfil de pneu que mais gosto é aquele que é mais escorregadio no meio, de modo que você pode enchê-lo com alguma pressão extra e ele rodará muito bem. Depois, nas laterais, com um pouco de piso de cascalho, você pode diminuir a pressão e ter mais aderência quando entrar em seções de cascalho e terra.

 

P: Ao mudar de um Enduravox para um Univox, você sentiu muita diferença na distância entre os pneus?

R: Eu disse isso ao Pierre (gerente de produto da Swift Bicycles) desde a primeira versão da Enduravox, achei que algumas mudanças eram necessárias e deveriam ser feitas. A primeira versão tinha um tubo de selim reto e, toda vez que minha roda traseira se desalinhava ou pegava lama, ela passava pelo quadro. Mas, com a Univox, eu poderia até colocar pneus de 42 mm, talvez maiores, o que parece uma melhoria.

 

O RESULTADO

P: O que você leva dessa aventura? Como você se sente agora e que crescimento pessoal você tirou dessa travessia e da primeira tentativa? O que mudou na maneira como você percebe o mundo?

R: Minhas aventuras sempre vão muito além de andar de bicicleta. Há sempre muitas peças em jogo e sou muito grato a Deus por ter me escolhido para essa missão e muitas outras que virão. Toda vez que me desafio em grandes aventuras como essa, sempre saio menos ignorante, mais edificado e espiritualizado, mais tolerante e em sincronia com o Criador do Universo. Toda essa experiência, a travessia, a vida em cima da moto e essas vivências, me trouxeram essa paz, essa paciência, essa resiliência e sabedoria.

 

P: Léo, para finalizar esta entrevista, temos mais duas perguntas: Onde as pessoas podem encontrá-lo? E que mensagem você gostaria de passar para alguém que esteja lendo esta entrevista e sonhe em fazer algo grande por si mesmo?

R: As pessoas podem me encontrar nas mídias sociais em "@leopedalandopelomundo", basta digitar e você me encontrará.

Meu conselho é que você faça o que ama. Para mim, acima de todas as coisas que possam trazer retorno profissional ou financeiro, está a satisfação pessoal. No final das contas, é isso que o fará feliz, pois o dinheiro e o reconhecimento profissional são um momento em sua vida - podem até ser uma prioridade em um determinado momento -, mas deixe-se levar apenas por isso.

Leve a vida com mais calma, seja feliz e não se concentre em rótulos, números e títulos, pois tudo isso dura um dia. O melhor ciclista do mundo hoje pode não ser o melhor ciclista amanhã. O que importa é o que você tira das experiências que teve, das pessoas que conheceu, portanto, leve isso em consideração enquanto vive seu dia a dia.